Entrevista a João Correia

“O folk tem essa cena muito simples, despida e honesta que hoje em dia me interessa mais do que muitos outros estilos musicais”

No panorama musical existem fundamentalmente dois tipos de artistas no que toca à criação de bandas e participação em projetos paralelos. Aqueles que se mantêm toda a carreira fiéis e associados a um e só um grupo musical, e aqueles que se conseguem desmultiplicar em várias frentes e dividir o seu talento nos mais variados quocientes musicais. João Correia é um bom exemplo deste segundo caso de estudo. O baterista, que à primeira surge associado à vocalização em Julie & the Carjackers, participa num número quase incalculável de projetos que vão desde Walter Benjamin a They’re Heading West. Todavia, o percurso de João Correia começou nas seis cordas e só depois é que passou para a bateria, instrumento através do qual o artista estreitou a sua relação com a música e que o levou a frequentar as escolas do Hot Club de Portugal. Em entrevista ao Off The Record, o músico explica como tudo começou. “Eu lembro-me perfeitamente do dia em que os meus pais me compraram a guitarra. Foi numa loja assim tipo Jumbo ou Continente. Sempre que passava pela montra ficava maravilhado com os instrumentos que estavam em exposição. Até que um dia os meus pais me alertaram que já tinha juntado dinheiro suficiente para comprar a guitarra. Comprei uma que estava em promoção, baratíssima, até vinha com amplificador e tudo. Fui para casa de seguida, se bem me lembro estava a dar o “Jaws” na televisão, e recordo-me de estar a tentar copiar a música do filme, de ter partido logo uma corda e de os meus pais me repreenderem por já ter estragado a guitarra. Levei semanas para conseguir substituir a corda. E quando o consegui, continuei a treinar umas malhas. No entanto, como meu primo também tocava guitarra, eu pensei que fazia mais sentido ter uma bateria para o poder acompanhar nas músicas. Comprei a bateria passado um ano. Recordo-me de ter entrado no Hot Club sem bases nenhumas de técnica de bateria, ridículo”.

Mas antes de ingressar numa das mais conceituadas escolas de música jazz do país, o músico já tinha tido as suas primeiras experiências nos campos do punk-rock. O primeiro projeto de sempre de João Correia foram os The Fart Simpson Band, uma experiência "familiar" que levou o músico a desvendar os segredos e as manhas das gravações multipistas. “Um dos meus primos tocava guitarra e o outro enrolava os cabos. Íamos tocando e «jammando» muito lá em casa, aprendendo uns com os outros”, relembra o músico. “Depois meti na cabeça que queria arranjar um gravador de quatro pistas. Demorámos bastante tempo a perceber como funcionava. Gravámos umas demos terríveis, porque não sabíamos como se faziam as coisas. Gravávamos primeiro a guitarra e as baterias depois, o tempo ficava todo desmanchado”, acrescenta. Depois deste primeiro esboço musical, João Correia decidiu enveredar por trilhos mais sérios, sozinho e com um objetivo fixo. “Passei a estar em casa dos meus pais todos os fins-de-semana, em Azeitão. Estava sozinho, tinha o quatro pistas, e comecei a querer gravar um álbum por ano: um álbum muito fanhoso e manhoso numa cassetezinha, em que tinha de conseguir tocar os instrumentos todos. Fui aperfeiçoando a minha técnica de baixo, que não era um baixo, era uma guitarra cortada cá em cima para caberem cordas, pois não tinha dinheiro para ter todos os instrumentos.”, confessa.

Depois destas primeiras experiências de garagem, João decidiu, então, inscrever-se nas escolas do Hot Club de Portugal. “Fiz os testes de admissão, entrei para a escola de jazz, fiz o curso completo de bateria – foram cinco anos – e depois disso comecei a tocar ao vivo em termos de trabalho. Mas depois pus o jazz completamente de parte, porque achei que não tinha tanto a ver comigo. No entanto, deu-me uma ajuda enorme em termos de técnica, porque um gajo lá é obrigado a tocar vários instrumentos e a aprender conceitos de melodia e harmonia”. Hoje em dia, o músico que outrora esteve imerso nas correntes oriundas de Nova Orleães, foca a sua paixão nas áreas do rock e da folk. “Os projetos em que tenho tocado mais fazem parte desse circuito: Walter Benjamin, Márcia, Frankie Chavez... Mas tenho feito de tudo, desde a música tradicional, num projeto que se chama Adufe, até bandas de jazz genuínas. Toquei com o Manuel Paulo, da Ala dos Namorados... montes de malta diferente. Desde 2009 tenho perdido mais tempo a escrever, cantar e gravar as minhas músicas. Basicamente é o que vai ficar – quando um gajo for com os porcos, é o que fica. (risos) Acaba por ser a obra, só... Ninguém vai dizer: «ele tocou muito bem bateria neste concerto!». Convém gravares alguns discos e deixares alguma coisa".

Recentemente, João Correia decidiu formar mais um projeto, também ele a respirar os ares da folk music, intitulado Tape jUNK. Alguns anos depois da sua aprendizagem musical nas escolas do Hot Club, o músico reflete sobre as razões que o levaram a trocar a complexidade do jazz, pela simplicidade da música ligada às raízes norte-americanas. “Eu dantes era um pouco obcecado em escrever músicas que fossem muito interessantes para mim, e que fossem difíceis, com muitas manhas e compassos complexos. Mas depois comecei a ouvir a simplicidade de artistas como Velvet Underground, Neil Young, Bob Dylan ou Red House Painters. Comecei a inteirar-me que a melodia é que faz tudo – essa é uma das grandes características do folk”. E acrescenta, “na maioria das vezes, eu costumo escrever a melodia ao mesmo tempo que escrevo a letra, para a parte instrumental ir ao encontro das palavras que estou a dizer. Tu escreves e quando estás concentrado na tua melodia e na tua letra, a tua guitarra está a fazer o mínimo dos mínimos, a dar só os acordes base para suportar aquilo que estás a fazer. Isso fez-me pensar muito sobre simplificar ao máximo a base musical das canções, de forma a passar cá para fora o que estou a dizer e a cantar sem muitos adereços. O folk tem essa cena muito simples, despida e honesta que hoje em dia me interessa mais do que muitos outros estilos musicais".

De facto, é esta simplicidade que bandas como Julie & The Carjackers, Márcia, Walter Benjamin, Frankie Chavez, They’re Heading West, Tape jUNK e todos os outros projetos a que o multi-instrumentista está associado, respiram. O mesmo caminho cru, simples e eficaz que artistas como Johnny Cash e Bob Dylan tomaram e que tornaram as suas composições em autênticas obras de arte do mundo musical.

Manuel Rodrigues
















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