On The Record #3

Timberlake, o 'Martini Guy'

Justin Timberlake
The 20/20 Experience
RCA Records
9/10

Se o programa que lhe apetece para o final da tarde é ir até um bar de hotel, pedir um martini com duas pedras de gelo e deixar que o tempo o leve para longe, peça ao DJ para pôr Justin Timberlake a rolar no gira-discos. Não se oferece este conselho com base na fisionomia de miúdo vestido a rigor
para um baile de finalistas, nem pela imagem de um homem de negócios feroz (apesar de o ser), mas sim a julgar pelo o que andou a fermentar durante os últimos sete anos e que agora resulta em The 20/20 Experience. Noutras palavras, ele sabe exactamente o flow que está a sentir e o que é isso dese ter classe. E sem esforço.

Além disto, o regresso do músico do Tennessee aos discos de estúdio nãopodia ter acontecido antes ou mais tarde. Este é o momento. É certo que a longa espera por novos originais depois do arrojado FutureSex/LoveSounds podia alimentar a ansiedade pela apresentação de algo muito parecido à fórmula imediatamente anterior, mas Justin parece saber de cor que não é um pau mandado. Há muito que deixou o cabelo oxigenado que envergava nos N'sync e agora largou também o lado menos másculo de um «SexyBack» ou «My Love». A onda dele agora é outra: está mais maduro, mais experimental, mais densamente cinematográfico.

A Sétima Arte de Justin está precisamente no formato película das canções:a maioria tem mais de sete minutos. Timberlake quer contar uma história e para isso precisa de bandas sonoras, concisas, envolventes, que parecem também feitas de propósito para serem tocadas em grandiosos palcos. A longa duração das músicas é, aliás, um pop-up claro em jeito de efeito surpresa de The 20/20 Experience, com excepção apenas de «Mirrors», que tem menos de cinco minutos e é também a mesma que pode levar a pensar-se que o antigo Justin não está afinal totalmente morto, muito em parte por causa das "same old ideias" espalhadas pelas letras. O protagonista (ou a protagonista) é quase sempre uma miúda: tanto a trata por "Strawberry Bubblegum" (pastilha elástica de morango), como por "Pretty Lady". Ainda assim, sabe disfarçar isto com slow jaws («That Girl») ou com atmosferas densas («Tunnel Vision»).

Ainda em termos sonoros, embora repita a longevidade de «What Goes Around... / ... Comes Around (Interlude)», Timberlake optou pela receita de «LoveStones/I Think She Knows (Interlude)», ambos do mesmo álbum de 2006. E esta opção não foi tanto em termos sonoros, mas em termos de formato artístico. Ele retirou-nos o acesso a um botão de repetição, diluiu o fim de umas músicas em fusão com as próximas e o resultado é uma mixtape que destila um vintage dos anos 60 e 70, um neo soul, com elevados recursos a sintetizadores analógicos e a sons orquestrais (voltou a convidar a Benjamin Wright Orchestra para «Pusher Love Girl», a mesma de «Until the End of Time»).

Não dispensa os seus característicos falsetes (e muito raramente deixa a sua voz despida, a não ser, curiosamente, em «Dress On», que a par com «Body Count» - ambas da versão deluxe - parecem estar ligeiramente fora de contexto); está interessado em elementos étnico-orientais («Don't Hold the Wall»); a rouquidão de um Barry White, a infantilidade de um Michael Jackson e pedaços de bossa-nova cabem todos em «Strawberry Bubblegum»; usa um sample africano do Burkina Faso em «Let the Groove get In», fazendo dela a música mais electrizante do álbum, e deixa ainda a respiração profunda imperar em «Blue Ocean Floor», como se quisesse contar de forma explícita que tem tido os últimos EPs de Weeknd a rolar no carro.

Um outro senão está no som 'Timbalandizado' que presiste do álbum anterior. Os tons graves atribuídos ao produtor norte-americano são evidentes ao primeiro beat e Justin não faz qualquer questão de o esconder. A parceria resultou antes, porque não haveria de resultar agora? Mas este é também o único finca-pé do músico, já que parece agora concentrado em mergulhar noutras águas. De resto, estamos perante um Justin reinventado, um "selfmade man" que foi para casa reflectir, reorganizar-se, industrializar-se (montou a editora Tennman Records), fazer-se actor (foi Sean Parker, dono do Napster, no filme 'Rede Social'), enriquecer (comprou em sociedade o MySpace com a promessa de o revigorar) e casar-se (com a actriz Jessica Biel). E até nisto, Timberlake foi sensato demais. Deixou que o burburinho em torno do casamento de Novembro passado assentasse, para depois, em Março, mostrar o que andou a fazer em estúdio, no qual, segundo o próprio, esteve a criar sem regras e sem a pensar num fim concreto.

Justin Timberlake é um Martini guy sem os óculos escuros. Vê bem demais e não há sol que o encandeie. Antes de ser aprumado, é um rapaz arrumado. Não nega as origens pop, os caminhos do hip-hop que precisou de percorrer, mas isso são coisas de um passado tranquilo. Timberlake, ao lado de Timbaland e Jay-Z (que o ajudou no primeiro single «Suit & Tie») são como os Três Mosqueteiros: uma fortaleza que muito dificilmente sai enfraquecida depois de experimentações de underground, mesmo que sejam demasiado arrebetadoras para quem não esperava que o miúdo do Mickey Mouse Club crescesse tão bem.


Sem comentários:

Enviar um comentário